Nícolas, filho de Alessandra Ramos, ficou fascinado pelo balé.
A mãe o matriculou na aula de dança e encarou preconceitos de todos os lados
“Quando meu filho tinha 3 anos, a escola de educação infantil em que ele estudava começou a oferecer atividades extracurriculares como judô e balé. Pouco tempo depois, a coordenadora me disse que ele estava ‘fugindo’ das atividades em sala para participar das aulas de balé e me propôs oficializar sua participação na mesma. Conversando com ele sobre a possibilidade de fazer balé, além do judô, que ele já fazia, ele respondeu que gostava muito das duas atividades e que não queria parar com nenhuma. Então, compramos o uniforme.
Ele adorava as aulas de balé, ia todo empolgado, até que um dia ele chegou muito triste e irritadiço. Questionei e ele explicou que os meninos estavam com uma brincadeira boba de chamá-lo de menina porque ele fazia balé. Expliquei para ele que balé, como qualquer outra dança, pode ser feita por meninos e meninas e mostrei o vídeo de um bailarino brasileiro (que procurei rapidamente no Youtube). Ele ficou fascinado! Na mesma semana, conversei na escola sobre o ocorrido. Eles fizeram um trabalho em sala de aula e ele não reclamou mais de brincadeiras ‘sem graça’. Porém, sempre que surgia a oportunidade, alguns pais vinham me perguntar se eu não tinha medo de que meu filho se tornasse gay. Eu respondia que tinha muitos medos, inclusive dele não saber respeitar seus próprios sentimentos ou os das outras pessoas, mas não dele ser gay, muito menos por conta do balé.
No final do ano letivo, tivemos a apresentação de encerramento da escola. A turma de balé representou a Espanha. O meu filho estava de toureiro e as meninas de espanholas. Foi emocionante! No final da apresentação, muitas pessoas vieram me parabenizar pela dança. Alguns pais disseram que “imaginavam outra coisa” quando falavam que ele fazia balé (talvez que ele usasse saia de tule e coque no cabelo!) mas que aquilo que viram era realmente bonito, e eu entendi isso como um grande elogio, é claro! No ano seguinte, as pessoas estavam mais acostumadas com a ideia e algumas mães vieram me perguntar se eu ia rematriculá-lo. Elas comentavam que gostariam de matricular os seus filhos também, mas que os maridos não aceitavam de jeito nenhum, que as matariam se fizessem isso.
No fim do ano passado, nos mudamos de São Paulo, capital, para Jundiaí, no interior. Aqui, procurei por escolas que tivessem propostas pedagógicas sociointeracionistas, e que permitissem meninos no balé, mas – para a nossa surpresa – a maioria não aceitava. Depois de muita procura, achamos uma escola com proposta condizente com nossa crença educacional e que aceitasse meninos no balé (apesar de não ter nenhum). Quando começaram as atividades extracurriculares, perguntei ao Nícolas qual atividade ele queria fazer e ele me pediu para fazer futebol, dizendo que ele já era bom em balé e que agora queria treinar algo em que não era ‘tão’ bom. Achei esse discurso muito estranho, pois ele nunca se interessou por esse esporte antes. Descobri que os meninos da turma dele têm brincadeiras mais agressivas com questões de gênero e que ele devia estar se sentindo ameaçado por ser novo na turma, e, espertamente, tentando se enturmar. Conversei com ele sobre ele poder fazer o que quisesse, independente do que os outros pensam ou deixam de pensar, mas ele preferiu ficar no futebol.
Respeito a escolha do meu filho, mas fico muito triste por saber que ele deixou de fazer algo de que gosta muito por conta da pressão do grupo. Como, tão jovens, esses pequenos já têm de se deparar com questões tão grandes? Questões, essas, que certamente não nascem das crianças; vêm dos seus pais, que projetam seus medos e inseguranças nos filhos. Isso é muito complicado porque em vez de aproveitarmos oportunidades como essa para ensinarmos liberdade de escolha e respeito às diferenças, ensinamos que ‘menino não pode isso’, e ‘menina não faz aquilo’, e assim criamos toda uma nova geração com os mesmos velhos preconceitos! Se depender de mim, meus filhos sempre terão a opção de escolher experimentar o mundo e descobrir seus verdadeiros talentos e interesses, desde que respeitem seus limites, seus sentimentos e os dos outros à sua volta”
Fonte: Revista Crescer