Até pouco tempo atrás, pouco se pensava ou discutia sobre a introdução (e os efeitos) de um segundo idioma no desenvolvimento da linguagem das crianças. Afinal, os pais só procuravam uma escola especializada quando os filhos já estavam crescidinhos. Porém, com o aumento na oferta de escolas internacionais/bilíngues no país e, em alguns casos, o ensino já desde a Educação Infantil, os pais têm recorrido aos profissionais com muitas dúvidas.
Pesquisas mostram que o bilinguismo traz muito mais vantagens do que prejuízos para o desenvolvimento global das crianças. Além disso, as línguas carregam muito mais do que palavras, então sugerir que um pai (ou uma mãe) estrangeiro não use a sua própria língua materna para conversar com seu filho é impedi-lo de transmitir memórias, cultura e sentimentos. Já pensaram se uma avó brasileira tiver que dizer ao seu neto estrangeiro que está com “saudades” em outro idioma? Ou uma mãe estrangeira dar bronca em português no seu filho nascido/morador do Brasil? Estranho, né?
Mas, antes de falar sobre o tema, preciso fazer uma breve explicação sobre ‘aquisição’ e ‘aprendizado’. O primeiro processo se dá naturalmente em ambientes reais e atividades do cotidiano – como é o caso das pessoas que adquirem o idioma dos pais, sem precisar de ensinamentos, ou dos programas de intercâmbio. Nesse último, apesar da aquisição tardia, nada impede a criança de ter uma total fluência. Já o ‘aprendizado’ se dá por meio de processo formal de aulas; aqui existe a relação professor/aluno.
Pensando nisso, separei as dúvidas mais recorrentes dos pais que recebo em meu consultório e das pessoas que me procuram nas redes sociais. Vale lembrar que, como em qualquer área, há diferentes correntes teóricas de atuação. Por isso, reforço que a melhor a ser seguida é sempre a que mais se enquadra aos anseios da família. Combinado?
“Eu e meu marido somos de nacionalidades diferentes, qual é o melhor idioma para usar com meu filho?”
Cada um deve falar com o bebê na sua própria língua materna. Neste caso, a criança será “bilíngue de nascença” e tende a ser igualmente fluente nos dois idiomas (desde que tenha a mesma quantidade de oportunidades de utilizá-los). Para facilitar a diferenciação e não confundir a cabecinha do pequeno, meu conselho é que cada adulto escolha apenas uma das línguas e siga com ela para se comunicar no início. Não é recomendável que a mesma pessoa fale com a criança uma hora em português e outra em espanhol, por exemplo. Quando crescer, o falante bilíngue pode vir a escolher um dos idiomas como preferido, mas isso não o impede de ser fluente nos dois. Uma criança que não está propensa (independente da causa) a ter uma alteração de linguagem, não a terá só porque foi exposta a um ambiente doméstico bilíngue.
“Somos brasileiros e a nossa criança estuda em um colégio internacional (ou bilíngue). Isso pode atrapalhar a fala dela?”
Não há nenhum estudo que relacione alterações de linguagem ao bilinguismo. O que pode acontecer é um “período de silenciamento”. Explico: ao ser exposto à segunda língua, a criança pode não falar imediatamente apenas porque ainda não tem a habilidade de expressão, mas isso não significa que ela não esteja em pleno processo de aprendizado (ou de aquisição). Como também acontece na língua materna, a primeira habilidade a emergir será a compreensão. Em seguida, todo o processo tende a acontecer sem percalços.
“Meu filho estuda em uma escola bilíngue e foi diagnosticado com uma alteração de linguagem e/ou do desenvolvimento. Devo mudá-lo de colégio?”
Segundo a American Speech-Language- Hearing Association (ASHA), não há objeções para a aquisição ou o aprendizado bilíngue, independente de qual seja a causa da alteração de linguagem da criança (atraso de linguagem, deficiência auditiva, síndrome de Down, dislexia, apraxia, entre outros). O que se deve considerar é que, para algumas crianças, o aprendizado pode ser mais custoso. Isso porque as alterações de linguagem e fala (bem como todos os outros aspectos do desenvolvimento psicossocial) existentes na aquisição da primeira língua estarão presentes também no aprendizado (ou aquisição) da segunda, ponderando as distinções entre os dois idiomas. Entretanto, se ele apresenta algum quadro de distúrbio de linguagem, já deve ter sido avaliado por um fonoaudiólogo. Converse com esse profissional e discuta as vantagens e desvantagens dessa criança ter contato com outra língua. É importante lembrar que a decisão final sempre deve ser dos pais.
“Meu filho é excelente aluno, mas tem muitas dificuldades em aprender uma segunda língua. Ele pode ter dislexia ou déficit de atenção?”
Não necessariamente. Mas, para as crianças disléxicas ou com outros tipos distúrbios de linguagem, aprender um segundo idioma pode ser mais difícil. Por outro lado, durante a vida escolar, a integridade da audição e as habilidades de linguagem e de aprendizagem já foram “testadas” nas outras disciplinas. Então, se o seu filho está com dificuldades, leve em consideração outros fatores, como a metodologia de ensino do curso, o material pedagógico, a relação com o professor e os colegas e o nível de autoestima dele. Uma ação conjunta com pais, professor, coordenador, fonoaudiólogo e psicopedagogo pode mapear detalhadamente o cenário.
Para finalizar, vale relembrar que, se o seu filho não tem um desempenho linguístico como o esperado para a faixa etária, é necessária uma avaliação profissional. Desta forma, é possível identificar os fatores envolvidos na alteração do processo independente dele frequentar (ou não) algum tipo de instituição de ensino (nacional, internacional ou bilíngue), OK? Um beijo e até a próxima!
Lílian C Kuhn Pereira é fonoaudióloga com especialização em Audiologia e Mestrado e Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Há mais de dez anos atende crianças e adultos com distúrbios de linguagem. Escreva para ela: redacaocrescer@gmail.com
Fonte: Revista Crescer